quarta-feira, 23 de abril de 2014

A senhora Gullar



- Mas o que está acontecendo com esta cidade ? Há fumaça por todo lado e está acabando com meus lençóis de linho.

Uma mulher alta e elegante vinha caminhando, envolta em um chale, na direção de dois senhores que a cumprimentaram tirando-lhe seus chapéus.

- Boa tarde, senhora Gullar. Temo informá-la de que isto - O senhor mais alto dizia, apontando para a enorme fogueira a sua frente.- É a crise. Fomos obrigados a queimar todo o café que não conseguimos vender para os EUA. 

- Este não é certamente o tipo de coisa que se fale para uma senhora tão distinta em tão bela manhã.- O outro homem, mais moço, aproximou-se da Senhora Gullar, que na realidade não tinha mais de trinta anos, e beijou-lhe a mão direita. A jovem afastou-se dele com rapidez e abriu seu leque, abanando-o furiosamente. O homem não pareceu se ofender com o gesto e continuou. - No entanto, é preciso que todos saibam e se preparem, pois em 1930 os ventos da desgraça baterão em todas as portas.

- Hunf- A senhora Gullar soltou com um sorrisinho de lado. Oh, esses ventos, bateram mais cedo em minha casa. Ela contemplou o fogo a sua frente. E pensou no corpo que agora queimava em meio ao café. O homem pesava muito e ela teve de jogar fora seu vestido por conta de todo aquele sangue e barro. Pensou na família do pobre homem. Na mulher que agora seria considerada uma peste para a sociedade.

O vento mudou de rumo e fez a fumaça ir na direção da senhora Gullar e dos dois senhores ao seu lado.  Ela tossiu e chaqualhou a fuligem para longe com seu leque. Só mais algumas noites e a imagem daqueles olhos espantados e daquele cheiro de morte parariam de atormentar seus sonhos. Respirou fundo e se virou para os dois.

- Homens...me surpreende a capacidade que possuem em destruir, sem querer, aquilo que construíram com o próprio suor...Deixando escapar uma crise como essa...- Os dois mau tiveram tempo de responder e ela já estava indo embora.- E, se for possível, acabem logo com este fogo. Já que os senhores são tão bons em destruir coisas.

Então a senhora Gullar desapareceu entre as árvores de seu quintal.



6 comentários:

  1. Acho que é da humanidade destruir aquilo que ele mesmo quis construir. Todos nós somos assim. Gostei bastante do seu conto, principalmente o modo como você construí os seus personagens de modo bem peculiar e atraente. Curti demais a narrativa e espero ler mais desses contos.
    cronicasdeumlunatico.blogspot.com

    ResponderExcluir
  2. pretty nice blog, following :)

    ResponderExcluir
  3. Realmente o homem destrói na mesma rapidez com que constrói. Muito bom seu conto Amanda. Com uma descritiva novamente peculiar e rica.

    Beijo!

    ResponderExcluir
  4. Extremamente reflexivo seu conto, Amanda. Me fez pensar que o ser humano é uma espécie terrível... cheia de complicações e fácil de destruir as coisas, sejam físicas ou não (englobo sentimentos nisso). Complicado. :\

    Um abraço!
    http://universoliterario.blogspot.com.br

    ResponderExcluir
  5. Vi algo muito reflexivo no texto e ao mesmo tempo o enredo me chamou a atenção. Há um bom tempo gosto de ler sobre como a crise dos anos 30 afetou o Brasil. Agora, realmente o homem parece que só sabe construir para destruir, manter o que foi feito é coisa rara.

    Thoughts-little-princess.blogspot.com

    ResponderExcluir
  6. OH, DID NOT SEE THAT COMING
    Acho que nesse ritmo daqui um tempo teremos uma coletânea de contos de horror by Amanda. hehehe
    Continuo com uma sensação de Poe por aqui.
    DOCTOR WHO! Cara, o final da segunda temporada me quebra porque I'M BURNING UP A SUN JUST TO SAY GOODBYE, mas o final da quarta é pior ainda porque eu não consigo dizer adeus ao Tenth! Amo demais aquele Doctor, foi terrível. Agora, prepare-se. Me apeguei horrores ao Eleventh e já tive que me despedir. Também foi horrível. ESSA SÉRIE MATA!

    ResponderExcluir